A gestão de Centros de Investigação Clínica
A gestão eficaz de centros de investigação clínica (CIC) tem ganho destaque à medida que o setor de ensaios clínicos evolui globalmente. Um dos principais desafios enfrentados por estes centros, especialmente os que estão integrados em hospitais públicos, é a falta de autonomia comercial para definir a sua carteira de serviços. Atualmente, os hospitais públicos em Portugal estão obrigados a faturar os serviços prestados de acordo com os valores estipulados pela tabela de preços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o que restringe a flexibilidade dos CIC e os coloca em desvantagem competitiva no mercado global, pois acabam por ter condições comerciais pouco credíveis, devido aos valores baixos praticados.
Desafios impostos pela tabela de preços do SNS e a falta de autonomia comercial
A tabela de preços do SNS é fundamental para garantir o acesso universal e equitativo aos cuidados de saúde. Contudo, quando aplicada ao contexto da investigação clínica, onde a competitividade e a capacidade de atrair parceiros internacionais são cruciais, essa abordagem uniformizada torna-se uma barreira significativa. A falta de autonomia comercial impede os CIC de definirem uma carteira de serviços ajustada às suas capacidades, recursos e à demanda de um mercado global dinâmico.
Primeiramente, os valores definidos pela tabela do SNS muitas vezes não cobrem os custos reais dos ensaios clínicos, especialmente os mais complexos, o que pode resultar em prejuízos para o hospital que acolhe o centro de investigação. Além disso, a falta de flexibilidade para expandir e diversificar os serviços oferecidos limita a capacidade do CIC de inovar e se adaptar às exigências da indústria farmacêutica e de biotecnologia, que procura centros de investigação capazes de personalizar serviços de acordo com as necessidades específicas dos ensaios.
Em termos de competitividade internacional, essa restrição de autonomia afeta diretamente a credibilidade dos CIC. No cenário europeu e mundial, os centros precisam de uma oferta de serviços altamente especializada e ajustável, algo que não é viável quando os CIC estão sujeitos a uma tabela de preços fixa e rígida. A indústria global de ensaios clínicos valoriza a flexibilidade, a inovação e a capacidade de negociação, o que se torna praticamente impossível quando os centros estão limitados por diretrizes impostas pelo SNS.
O despacho n.º 1739/2024
Com o objetivo de mitigar estes desafios, o despacho n.º 1739/2024 trouxe uma importante evolução para os centros de investigação clínica em Portugal, ao permitir que estes se constituam como Centros de Responsabilidade Integrada (CRI) ou como associações de direito privado sem fins lucrativos. Este marco regulatório visa oferecer aos CIC maior autonomia organizacional e comercial, permitindo-lhes melhor competir no cenário global.
Contudo, é importante sublinhar que os CRI, embora ofereçam um grau de autonomia operacional, permanecem fortemente ligados à estrutura do hospital público, o que pode manter limitações quanto à definição da carteira de serviços. Por outro lado, a constituição como uma associação de direito privado sem fins lucrativos oferece aos CIC a liberdade necessária para negociar diretamente com promotores, ajustar a sua oferta de serviços às exigências de cada projeto e definir preços competitivos de forma independente.
Este segundo modelo, baseado em associações, permite que os CIC definam uma carteira de serviços diversificada, abrangendo desde estudos clínicos iniciais até ensaios de fase avançada, e que ofereçam soluções à medida para a indústria. Essa flexibilidade comercial é essencial para que os centros possam posicionar-se como parceiros preferenciais para patrocinadores internacionais.
A associação sem fins lucrativos como modelo ideal: o exemplo do 2CA-Braga
Os CIC que pretendem assumir um papel relevante no mercado europeu e mundial de ensaios clínicos devem considerar seriamente a adoção do modelo de associação sem fins lucrativos. Um exemplo de sucesso dessa estratégia é o Centro Académico Clínico de Braga (2CA-Braga), que se estruturou como uma associação no ano de 2012 e tem atraído com sucesso ensaios clínicos de grande dimensão, posicionando-se como um centro de referência no cenário global.
A autonomia financeira e comercial alcançada pelo 2CA-Braga já permitiu, para além da criação de uma equipa dedicada altamente diferenciada, que este centro realizasse importantes investimentos em equipamentos médicos de ponta, os quais estão disponíveis não apenas para os ensaios clínicos, mas também para a população servida pelo Hospital de Braga. Esta flexibilidade e capacidade de reinvestir em infraestrutura tecnológica de última geração é um fator determinante para a competitividade do centro, que, por sua vez, o torna ainda mais atrativo para os promotores internacionais. Ao operar como uma associação de direito privado, o 2CA-Braga tem a liberdade necessária para definir sua carteira de serviços de maneira flexível e personalizada, ajustando-se às exigências do mercado global e garantindo resultados de alta qualidade.
Conclusão
A autonomia comercial, especialmente no que diz respeito à definição da carteira de serviços, é uma condição essencial para que os centros de investigação clínica possam competir eficazmente no mercado global de ensaios clínicos. Embora o despacho n.º 1739/2024 tenha introduzido novas oportunidades com a criação de CRI e associações sem fins lucrativos, é o modelo de associação que realmente oferece a flexibilidade e a autonomia necessárias para enfrentar os desafios do mercado internacional, tal como demonstra o caso de sucesso do 2CA-Braga. Com ela poderão não só aumentar a sua credibilidade, como também obter resultados mais favoráveis em termos de atratividade e competitividade. A capacidade de definir uma carteira de serviços flexível e ajustável ao mercado é, sem dúvida, um dos pilares fundamentais para o sucesso futuro dos CIC.