O envelhecimento da força de trabalho na Administração Pública é um dos desafios mais críticos que Portugal enfrenta. No entanto, esta realidade tem sido frequentemente ignorada, apesar das suas implicações diretas na continuidade e eficiência dos serviços públicos.
Segundo o Boletim do Observatório do Emprego Público (BOEP 27), 66,5% dos trabalhadores da Administração Pública têm 45 ou mais anos, e mais de 41% têm mais de 55 anos. Em algumas carreiras, como as da justiça e administração tributária e aduaneira, a idade média aproxima-se dos 60 anos. Sem um plano estruturado para reter e transferir conhecimento, a saída massiva de funcionários experientes comprometerá a qualidade e a eficiência dos serviços essenciais. Este cenário seria ainda mais grave se não contarmos com as forças de segurança, bombeiros e profissionais de saúde, que apresentam uma idade média inferior e ajudam a equilibrar os indicadores globais.
No contexto europeu, o relatório de Mario Draghi sobre a competitividade da Europa alerta para a necessidade urgente de reformas que garantam o crescimento sustentável e a capacidade dos Estados de responder a desafios como a redução da população em idade ativa. Draghi alerta que a redução da população em idade ativa, combinada com o envelhecimento populacional, exigirá ganhos significativos de produtividade para manter a competitividade da Europa a nível global.
Esta necessidade é particularmente premente na administração pública, onde as estruturas burocráticas muitas vezes resistem a mudanças. A incapacidade de reter e transferir o conhecimento acumulado ao longo de décadas representa uma perda não apenas para as instituições, mas para os cidadãos que delas dependem.
O primeiro passo para enfrentar este desafio passa pela implementação de um plano de recrutamento contínuo e sustentável, que garanta a renovação geracional sem ruturas nos serviços públicos. Apenas uma estratégia de contratação progressiva poderá assegurar uma transição equilibrada, promovendo a integração de novos funcionários antes da saída dos mais experientes e evitando picos de contratação massiva que dificultam a formação e adaptação ao serviço público.
Além disso, este modelo permitirá criar sistemas de progressão na carreira e remuneração mais equilibrados e atrativos. Atualmente, a elevada percentagem de funcionários em final de carreira dificulta a implementação de esquemas de progressão salarial sustentáveis, tornando a Administração Pública menos competitiva face ao setor privado. Com uma pirâmide etária mais equilibrada, será possível definir percursos de crescimento profissional mais motivadores, que incentivem a retenção de talento e garantam maior previsibilidade na gestão de recursos humanos.
Também é essencial criar atratividade para o setor público, promovendo a Administração como um local de trabalho inovador, digitalmente capacitado e alinhado com as expectativas das novas gerações. A modernização dos processos, a adoção de ferramentas tecnológicas e a criação de ambientes de trabalho mais flexíveis e colaborativos são fatores fundamentais para captar e reter talento, garantindo que o setor público continue a ser uma opção de carreira competitiva face ao setor privado.
Para além do recrutamento contínuo, é necessário garantir que o conhecimento acumulado ao longo de décadas não se perde com a reforma dos funcionários mais experientes. Aqui, a IA Generativa (GenAI) surge como uma solução importante, permitindo criar repositórios de conhecimento organizados e acessíveis, assegurando a transmissão de boas práticas e processos essenciais. Esta tecnologia pode ainda aumentar a produtividade, automatizar tarefas repetitivas, apoiar decisões baseadas em dados e melhorar a interação com os cidadãos através de assistentes virtuais e sistemas inteligentes de atendimento.
Além de preservar conhecimento, a GenAI pode garantir a coerência das decisões administrativas ao longo do tempo. Atualmente, já existem projetos a ser desenvolvidos em alguns reguladores e entidades europeias que utilizam GenAI para comparar decisões passadas e assegurar que novas deliberações mantêm a consistência com o histórico da instituição. Esta aplicação é fundamental para garantir transparência, previsibilidade e justiça na tomada de decisões, especialmente em áreas regulatórias e de grande impacto social.
A transformação digital da Administração Pública não pode ser apenas a digitalização da burocracia existente. É essencial repensar processos para eliminar redundâncias, reduzir tempos de resposta e aumentar a eficiência. Mais do que criar novos sistemas, é preciso modernizar os serviços, adotando novas soluções que possibilitem a libertação de recursos e a melhoraria da resposta ao cidadão. A digitalização deve ser um motor de inovação, garantindo uma Administração Pública mais ágil, sustentável e eficaz.
O envelhecimento da Administração Pública não é um problema do futuro, é um desafio do presente e exige ação imediata. Sem medidas concretas, perderemos não apenas recursos humanos, mas também conhecimento crítico para a governação eficaz do país. A combinação de recrutamento contínuo, retenção de conhecimento através da IA Generativa, transformação digital e um modelo de progressão de carreira mais atrativo será a chave para garantir uma Administração Pública mais eficiente, resiliente e preparada para os desafios do futuro.
O plano de recrutamento e o número total de funcionários públicos devem ter em conta a transformação digital que será implementada e a escassez de recursos humanos que enfrentaremos nos próximos anos. A modernização tecnológica reduzirá algumas necessidades operacionais, mas o declínio demográfico e a crescente procura por serviços públicos exigem um planeamento estratégico equilibrado. Apenas um ajustamento inteligente do recrutamento, aliado à inovação digital, permitirá assegurar uma Administração Pública eficiente, sustentável e capaz de responder às necessidades da sociedade.
Se não agirmos agora, perderemos não apenas recursos humanos, mas também o conhecimento essencial para garantir um setor público forte, inovador e capaz de responder às necessidades da sociedade e aos desafios do futuro. O momento de agir é agora.